Friday, October 19, 2007

Rui Caçador (com incidência no seu bigode)

Decidi-me a escrever este post enquanto via aquele desenho animado da educação sexual que passou no canal 2 e que levantou tanto burburinho (este post, decidi-me a escrevê-lo depois da entrevista a Rui Caçador, no final do Portugal-Sérvia).
Como muitas outras ocasiões, tentei confrontar a maneira como eu vejo as coisas agora, e como as veria há alguns anos atrás.
Se agora, olho para isto da Educação Sexual com alguma desconfiança, julgo que há uns anos atrás acharia esta ideia brilhante. Razões para isso? Logo à partida, era mais uma “educação” – a única educação da qual aprendi a desconfiar desde pequeno é a educação religiosa, da qual não desconfio assim tanto actualmente.
Acho que os valores essenciais com que cresci são: esquerda, Europa, educação, progresso (misto de ciência e tecnologia com “modernização” dos hábitos (homossexualidade, aborto, Maio de 68, desenraizamento das tradições, direitos dos animais e coisas assim)). Quer o aceitem e nomeiem nestas palavras ou não, também a grande maioria das pessoas da minha idade pensa assim. Crianças faltam às aulas mas sentem que pecam contra a virtude da educação; se lhes perguntarem se gostariam de ter aulas (educação) de surf, não hesitariam em responder que sim, e assim crescerão, a pensar que se alguma coisa é boa, a sua descendência deve ser educada nela. Este talvez seja o valor mais complicado de explicar dos quatro que enumerei. Os outros são mais fáceis: Bush é um burro, assim como o cidadão médio americano, enquanto que os governantes da Europa falam línguas entre eles e lêem livros: assim como os americanos são de direita, também Hitler o era; as revoluções foram de esquerda, como o nosso 25 de Abril, e a direita é conservadora; vota contra tudo o que tenha a haver com aborto, legalização de coisas, quer tudo igual ao tempo dos nossos pais.

Um dos símbolos desta maneira de estar é o andebol, um deporto que eu pratiquei durante oito anos. Um desporto positivista e em constante mudança, adaptando-se a novos tempos e novas realidades e necessidades dos atletas e espectadores. Só para dar um exemplo, durante a minha prática do andebol, a regra sobre a forma de repor a bola em jogo após um golo mudou umas três vezes. O que importava era que o jogo ficasse cada vez mais rápido e atraente. Nada garante que um dia seja proibido driblar a bola. Será que no futebol haveria alguém disposto ou a cronometrar apenas o tempo útil de jogo, ou a acabar com o limite de substituições? Julgo que este desrespeito canónico é umas razões pelas quais nunca vi um blogger falar em andebol. Os blogs portugueses são de direita, não é?

Outro aspecto do significado do andebol está relacionado com os países que a praticam. Todos os países europeus querem ser bons nesta modalidade excepto a Inglaterra, que também não aderiu à moeda única (bloggers portugueses concordam com um ámen). O melhor país nisto é a Alemanha, mas há outros muito bons, como a França, a Croácia e a Rússia (a quem todos reconhecem a importância no estudo e desenvolvimento da modalidade). Até há alguns anos, a Suécia era a melhor. A Espanha consegue ser das melhores com muito esforço, meios e um projecto bem delineado. A predominância da Dinamarca no feminino deve ser assinalada. Os países africanos bem comportados e não excessivamente negros, como Egipto e a Tunísia, também dão cartas (um dos golos mais espectaculares que já vi saiu de um remate de anca de um ponta egípcio – quem sabe um nadinha do assunto percebe a extravagância disto).
E o andebol tem escolas. Escolas mesmo. Não é como os comentadores de futebol que, não arranjando palavras decentes para descrever defeitos que se repetem algumas vezes, também lhe chamam escola. A escola italiana de ficar a ver a outra equipa jogar, a escola portuguesa dos cruzamentos para a área porque não há discernimento (falo de clubes de primeira divisão) para circular a bola, a escola inglesa de chutar a bola para a frente com medo de a perder. Não, no andebol há mesmo escolas, a escandinava, a russa, a alemã, e suponho que também haja uma escola espanhola. E literatura sobre o assunto. As vantagens de uma defesa 5-1 sobre uma defesa 3-2-1, a posição agachada ou hirta de um guarda-redes, isso está tudo em acta. Reparem, literatura sobre técnica e táctica, não é técnicas de motivação e teorias da liderança de grupo.

O andebol, pelo menos em Portugal, está bastante contaminado por toda uma série de maus hábitos trazidos pelo pessoal que gosta muito mais de futebol (pelo menos quando saí de lá). Arbitragens tendenciosas, simulações de faltas, queimar tempo, completo desprezo do aguçamento da técnica e da táctica, trocado por movimentos espalhafatosos, fáceis de ser apreciados pelo público, até mesmo o feminino. Mas mesmo assim o andebol ainda carrega uma aura de superioridade, como a que um iluminista teria sobre um camponês religioso.
Já no futebol, esta postura – chamemos-lhe europeia – pura e simplesmente não existe. Não sei se alguma vez existiu, sequer. Consigo descobrir apenas uma, e apenas uma única excepção: Rui Caçador, com o seu bigode. Rui Caçador consegue dar a ideia que o futebol é de facto um desporto, em que o que conta é a táctica e a técnica, e que a coragem e a motivação também são importantes, mas para que o desporto seja bem praticado. Como que representar o país pode ser importante, mas acima de tudo um desportista deve ter uma atitude japonesa de entrega ao seu ofício.
Há um mês ou dois vi o tal Portugal-Sérvia dos sub-21, e pareciam realmente praticar desporto. Nem parecia que estavam a jogar futebol.
Não sei se Carlos Queirós foi o penúltimo exemplar, mas sem o bigode perdeu qualquer hipótese. Se fosse do tipo Rui Caçador, não perdia tempo com o pensamento filosófico que leva uma pessoa a limpar o bigode.

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