Tuesday, September 18, 2007

Da Leitura do Mero Cristianismo - Post 10

Citar versículos bíblicos é sempre um problema, porque eles estão inseridos num contexto, e se o tirarmos de lá é como se tivéssemos um texto sem introdução nem conclusão. Aconselho sempre a leitura do capítulo 8 de João, que provavelmente é o capítulo com mais “conteúdo marcante” de toda a Bíblia.

Uma das coisas importantes deste texto é reparar que Jesus estava a falar com judeus, pessoas campeãs no conhecimento da moral, ou melhor, da Lei (a do pentateuco, os 5 livros de Moisés da Lei) que para os hebreus, era e é a régua da moral. Foco isto um pouco por causa da ênfase que tens dado ao ensino de Jesus e à aprendizagem do que ele disse. O problema que Jesus estava a ter com aqueles judeus era eles não o reconhecerem como filho de Deus, que estava prometido nos Livros da Lei que eles tão bem conheciam (e também convém reparar que há uma distinção no texto: entre os judeus e os judeus que criam nele). A verdade de que ele fala, remete-a para si mesmo. Não é por acaso que Jesus disse uma vez “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.

Aliás, Jesus foi muito pouco original em matéria de deixar instruções. Regra geral, só falava da Lei, existente há milénios, e depois mostrava como ela costumava ser mal interpretada. Mas não inventava nada, bem pelo contrário, apresentava-se em total obediência ao Pai.

Isto quer também dizer que não concordo com a tua visão de arrependimento e “Libertação”. Na tua descrição, a “Libertação”é independente de quem a disse (podia ter sido dita pelo Confúcio, ou outro fulano qualquer). A liberdade segundo o que Jesus disse, é que ele é a verdade, e como tal, ele libertar-nos-á. É uma daquelas afirmações que só fazem sentido para quem acredita que Jesus é o Filho de Deus.

E quanto ao arrependimento, estou ainda menos de acordo. Deixa-me cá fazer uma distinçãozita (coisa que me custa sempre, distinguir, classificar, enumerar…) para ver se chegamos a acordo. Se um miúdo brinca com o fogo e queima-se, ele não se arrepende ter brincado com o fogo; ele aprende que se voltar a brincar com o fogo, incorre no risco muito provável de se queimar; ou como tu disseste “implica seguir em frente, mudar, é um acto dinâmico”. Mas se a mãe o tiver avisado antes para não brincar com o fogo, ele não aprende que ao desobedecer à mãe incorre no risco de se queimar. De facto, ele pode aprender qualquer coisa com isto, tipo, uma mãe sabe mais das coisas da vida do que um filho, mas o que o miúdo realmente tem de fazer é arrepender-se de lhe ter traído a confiança.

E espero que não leves isto a mal, mas se analisares uma boa parte das letras de músicas de cantoras R’n’B, vai achar uma coisa igualmente semelhante e disfuncional. Mulheres a dedicar a homens cantigas que dizem que elas mudaram, não ficaram estagnadas, aprenderam com o erro e passaram uma fase à frente (olha a música dos Dzrt!). E há toda uma geração de meninas e meninos (para sempre) adolescentes profundamente inspiradas por esta atitude. Eu próprio reconheço que penso e ajo bastantes vezes nessa base.

É terrível ver pessoas a tratarem-se mutuamente como se fossem bicos de fogão e a considerarem os relacionamentos entre si meras queimadelas. Só que igualmente engraçado, é reparar que as pessoas que encarnam as tais características que enumeraste (pessoas que seguem em frente, mudam, são dinâmicas) geralmente até se gabam de nunca se arrependerem. Acho que essas estão mais perto da verdade.
O cristianismo prega o arrependimento porque todos pecámos primeiramente contra Deus (embora depois possamos dizer que fizemos mal aos outros ou a nós mesmos). É disso que temos de nos arrepender, e, em falta na tua definição, é a Deus que temos de pedir perdão.

Quanto à pergunta sobre aquele excerto, era só para ter a certeza.

Quanto à separação, começo por te relembrar um post teu antigo em que o meu comentário foi: “caminho para Deus há só um”.
Bom, esta separação só depende de nós na medida em que todos pecámos. Só isso. Não tem nada a haver com o ritmo acelerado da vida actual, nem pode ser imposta por outrem (aliás, a qualidade do cristianismo sobe exponencialmente quando os cristãos são oprimidos). Como diz na Bíblia, todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus. Não sei se olhar para dentro, viver em liberdade e praticar boas acções aumentam ou diminuem esta destituição, mas em nada mudam o facto de estarmos irremediavelmente destituídos, separados da natureza divina de Deus, condenados à morte eterna. Se não te sentires adverso ao relato do Éden, olha, foi desde que trincámos a maçã.
E como recuperamos esta glória de que fomos destituídos? Jesus dizia que detinha o exclusivo, e foi por isso que fiz o tal comentário. Jesus não só dizia que era o Caminho, a Verdade e a Vida, como ainda prossegue com “ninguém vem ao Pai senão por mim”. Não duvido que Jesus possa ter deixado uma data de ensinamentos preciosos, mas o convite deixado é a qualquer coisa maior.
(Um reparo: um panteísta diz que vivemos em Deus; um cristão diz que Deus está em todo o lado. São coisas diferentes.)

Outra coisa, eu acredito no Diabo. A Bíblia diz que ele existe e fala várias vezes dele; diz que é um anjo caído, nem por isso menos resplandecente, e fala, por exemplo, da forma como tentou Jesus (o que se assemelha bastante com o estereótipo). Não faz sentido acreditar em Jesus e não acreditar que o Diabo existe (e vice-versa).
Só não diz nada sobre a cauda pontiaguda, os chifres ou o fato vermelho roubado a uma peça teatral da quarta classe.

Ah!: propositadamente ou não, o Pedro Leal voltou a escrever um post que é relevante para o contexto da nossa rubricazinha. Depois de ter aconselhado o Voz do Deserto, o Small Church é mais um blog de evangélicos baptistas que sugiro que leias. E a lista fecha aqui.
Ahh!: este post foi escrito a dois tempos, com dois dias de separação. Poderá estar algo desconexo.

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Friday, September 14, 2007

Da leitura do Mero Cristianismo - Post 9

Pode-se brincar com o fundamentalismo assim:

Thursday, September 13, 2007

Da Leitura do Mero Cristianismo - Post 7



Jantado, opinião formada sobre o quase (que incompetência) murro do Scolari, Tindersticks a tocar, continuemos, então!

Pego no motivo de discussão que encontraste, sobre o possível maniqueísmo do C.S. Lewis, relembrando uma coisa. É que a perspectiva maniqueísta do Lewis acaba por não o ser assim tanto. Ele diz que Bem e Mal existem – e isso activa-nos logo certos s(c)ensores. Mas também diz algures no livro que o Mal é uma corrupção do Bem, uma fraca imagem do que as coisas deveriam ser. Há uma parte do livro em que ele contrapõe as “virtudes cardeais” aos “pecados correspondentes”, não há? De facto, os cristãos acreditam que só Deus tem o poder de criar alguma coisa, e que ao Diabo (bela palavra de se escrever) apenas resta distorcer as coisas que Deus criou. No caso do teu texto, salientaste a forma como o mal se manifesta na ausência de escrúpulos para conseguir alguma coisa, que na sua essência, até é boa. No entanto peço-te que confrontes este maniqueísmo com o não maniqueísmo das pessoas extremamente cientes da complexidade da vida. Regra geral, essas pessoas, como todas as outras, consideram que há coisas más e coisas boas, certas e erradas. A diferenças está em terem o bom senso, prudência, falta de coragem, engenho, whatever, de não as nomear como sendo boas ou más, ficando-se por expressões como "isso não é assim tão simples". De facto, nem têm de o fazer se não acreditam que existe uma Lei moral, mas acho que deviam levar até ao fim essa perspectiva e não considerar nada bom ou mau.
No fim volto a perguntar onde é que realmente predomina o maniqueísmo?

Depois falas na culpa, esse facto científico generalizado entre a população portuguesa e leccionado nas aulas de Língua Portuguesa do ensino secundário.
A ênfase do Evangelho está no arrependimento e não na culpa. Claro está, arrependimento envolve reconhecer a culpa, mas vivendo permanentemente em culpa, isso será sinal que não se aceitou o perdão, deixando o arrependimento incompleto.

Eu acredito que o Homem vive separado de Deus, e isso percebe-se porque pecamos; sabemos isso porque não há ninguém que não encontre na sua vida uma série de erros que fizeram mal a outras pessoas ou a ele mesmo. Contudo, a ênfase vai para a separação e não para os erros que conseguimos identificar. Sim, porque para além dos que conseguimos identificar, há uma série de outros que cometemos sem darmos conta disso. O crescimento (espiritual, creio eu) vai tornando-nos cientes da real quantidade de pecados que cometemos (diferente de vida em pecado contínuo), no entanto, se não nos arrependermos da tal separação, chovemos no molhado.
Ou seja, a culpa cristã não serve para nos melhorarmos, não serve para coisa alguma. A culpa cristã existe porque os cristãos, a determinada altura das suas vidas, se reconheceram culpados, e acham que faz parte do plano de Deus para o Homem que ele reconheça essa culpa, essa separação, e peça perdão por isso.

Não sei se isto dá a continuidade desejável ao teu post. Tive algumas dificuldades em não pôr-me para aqui a “falar línguas”, e acho que esta dificuldade vai acentuar-se. Pelo CD dos Tindersticks, concluo que demorei mais de 70 minutos a concluir este post.

AH: uma dúvida: de certeza que "Um território ocupado pelo inimigo, eis o que é este mundo!" é mesmo sobre a sociedade contemporânea?
AHH: não consigo evitar aqui uma nota de desprezo para os ateus que argumentem o que quer que seja com a "Palavra Libertadora de Jesus". Ainda que essa expressão não esteja errada, de certeza que é usada com um significado a milhas do que ela pode realmente querer dizer. Sim, a liberdade vem na promessa, mas será que eles estão dispostos a ler a frase toda? ("Dizia, pois, Jesus aos judeus que nele creram: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. ")

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Saturday, September 08, 2007

Da Leitura do Mero Cristianismo - Post 5

As bruxas são um exemplo tão estapafúrdio que se torna ideal (e é por estas que algumas pessoas gostam tanto do C. S. Lewis). Nada como reduzir ou exponenciar as coisas até ao absurdo para as perceber melhor. É como tentar perceber a esquerda e a direita. Não é por acaso que uma boa parte dos políticos começou nas “extremas” de ambos os lados, mas depois foram progredindo para o centro.

Estou a ver que apareceram duas linhas temáticas paralelas. A da pena de morte vale a pena e não resisto a meter a colherada um pouco mais. Os cristãos, como ninguém, devem concordar com o desfecho que deste à tua ideia – muito bem mandada, já agora – “Num mundo onde se pague olho por olho, ficaremos todos cegos.”. Na Bíblia, leio que devemos ser tardios em julgar, porque com a medida que julgarmos também seremos julgados. Mais ainda, quando perguntaram a Jesus quantas vezes devemos perdoar alguém, ele responde “70x7”. Mais ainda, também lemos que na verdade, já estamos todos condenados, mas quis Deus na Sua misericórdia dar-nos uma nova oportunidade, e que os cristãos devem ser exemplificativos dessa misericórdia imerecida, dessa graça.
Contudo, a questão aqui é de que forma é que se transporta isto para a lei de um país – e isto diz respeito a todas as religiões e convicções. No meu caso, enquanto cristão devo tentar contagiar a lei do meu país com a minha convicção religiosa, ou devo tentar que ela seja o mais fiel possível aos seus próprios princípios? (escrevo isto tudo com o referendo do aborto em mente)

Quanto ao segundo parágrafo:
Discordo de ti quando dizes que tendo Jesus cumprido a tal Lei, demonstre que todos a podemos cumprir. Não digo já porquê, porque estás a ler o livro e o Lewis escreve de uma forma bem mais acessível do que eu faria. Eu punha-me logo a falar no Éden e o camandro.

Quanto ao penúltimo parágrafo, só me resta concordar que sim, é complicado falar sobre isto, e como tal, em separar o que concordo do que não concordo com o que disseste. Talvez o consiga um pouco comentando o teu desfecho. O que tu consideras “actuar intrinsecamente”, eu considero uma marca de estilo.
Comparando o Homem a uma pintura, para mim esta Lei Moral é como um traço típico do pintor. Mesmo que um dia o quadro se encha de pó e vá para o lixo, esse traço típico permitirá sempre associar esse quadro à pessoa que o pintou.
Espero que isto não sirva para confundir…

AH: não sintas pressa em ler ou responder aos posts. Reparei que continuas a escrevê-los a horas um bocado tardias. Isto dos posts é só uma ideia gira, nem por isso útil ou importante.
Na vida, há coisas que tratamos por SMS, outras pelo messenger, outras por mail, outras por carta, e não sei em que parte da hieraquia é que se enquadram os blogs, mas sem dúvida que as coisas importantes são para ser ditas.

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Friday, September 07, 2007

Da Leitura do Mero Cristianismo - Post 3

Subtítulo: também da leitura dos Pensamentos Escolhidos de Pascal

Hoje enquanto esperava pelo Hamburger Com Cebolada no Ramona, resolvi continuar com a leitura do Pascal que trago sempre na mochila, passados vários meses de interregno. Reconstituído o contexto espacial e temporal – no Ramona e à espera – cruzei-me com um parágrafo que ilustra uma das ideias presentes no Mero Cristianismo.
Reza assim:

A grandeza do homem – A grandeza do homem é tão visível que se deduz da sua miséria mesma. Pois o que é a natureza nos animais, no homem chamamos-lhe miséria; por onde reconhecemos que, sendo hoje a sua natureza semelhante à dos animais, o homem decaiu de outra natureza melhor, que outrora lhe foi própria.
Pois quem se sente infeliz por não ser rei, senão um rei destronado?


É muito parecida com uma frase que aparece no Mero Cristianismo, e que me é relembrada sempre que vejo este blog:
“Eu descobri em mim mesmo desejos os quais nada nesta terra podem satisfazer, a unica explicacao logica e que eu fui feito para um outro mundo."

E penso que é a partir desta conclusão, que já fomos melhores e que não somos o que devíamos ser, que o Lewis dá o passo à frente e diz “Não nasci para ser livre. Nasci para adorar e obedecer.” – essa conturbada frase que confronta qualquer um que visite o site do GBU. Queres falar sobre isso?
Talvez fosse melhor esperar até chegares à dita frase, mas hoje li, hoje postei. Deixa este post em lista de espera se te aprouver.

> Faço minhas as palavras do Zé; esta séries de posts tem um sistema rígido de destinatários, mas se por acaso alguém passar por este blog tiver por opinião sermos patéticos, incoerentes, ingénuos, ou simplesmente uma opinião contrária, ou até mesmo uma opinião favorável, pode exprimi-la livremente na caixa de comentários. Também eles serão guardados para a posteridade e mostrados aos netos.

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Thursday, September 06, 2007

Da Leitura do Mero Cristianismo - Post 2

A síntese está boa. Quem não leu o livro consegue ficar inteirado do que para lá se diz.
Apenas deixo um bichinho para a pergunta que fizeste sobre a “Lei Moral” poder ser totalmente compreendida. Acho que mais relevante do saber se ela poder ser compreendida, é se ela pode ser cumprida. Porque, não sendo essa lei um documento escrito, estamos sempre a apelar para os “direitos” que ela garanta (direito de não me mentirem, de não me baterem, de não me insultarem, de não me deixarem especado à espera). Lá bem no fundo, para cada situação, nós até sabemos o que a “Lei” ordena (e acho que este discernimento se vai perdendo com a idade). No entanto, “ela” não é cumprida. Mas não me quero antecipar à narrativa.

Quanto à questão das bruxas, se realmente acreditássemos nelas, de certeza que sentiríamos a necessidade de as queimar. Assim como se castram pedófilos e violadores, e matam-se assassinos, para, entre outras coisas, não terem a menor hipótese de voltar a repetir os seus crimes… (tomar fôlego)… se acreditasses em bruxas, também acreditarias que a única forma de te proteger - a ti e à tua família - dos seus bruxedos seria atear-lhe fogo. Ajudas, só se fosse um "exorcismozito".

Mas nós vivemos em Portugal, onde não há pena de morte, e acho foi em termos de pena de morte que levantaste esta questão; se há ou não um crime que justifique a pena de morte? Bem, nesse caso, socorro-me no Pedro Leal, que pensa e escreve muitas vezes sobre isto. Será que a vida tem realmente valor incalculável se a pena para quem a tira não é a morte? Pessoalmente, eu acho que não. Morte com morte se pagaria, olho por olho, dente por dente (acho que se chama a isto a Lei do Talião). Contudo, enquanto cidadão, sei que os tribunais enganam-se e podem ser manipulados, e enquanto cristão, não me parece que o Homem tenha autoridade para tirar a vida a alguém após uma decisão de um tribunal Humano.
Por isso sou contra a pena de morte.

Ah: ainda sobre as bruxas, aí o resumo fica a perder, já que esse exemplo servia mais para desmascarar possíveis piedosos, que se sintam muito humanos e evoluídos (os chamados “prá frentéx”) por já não condenar bruxas à morte quando, se sentissem uma ameaça de intensidade idêntica, teriam uma reacção com certeza muito mais sádica do que apenas acender o lume. Ou seja, o que quero dizer é que não foi devidamente acompanhado pelo contexto. Reparaste no comentário que se lhe seguiu? Referências temporais e de menosprezo em menos de nada.

Boas leituras

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Monday, September 03, 2007

Dedicação de fã

Constar que o Tiago Bettencourt parece ter andado a ouvir a Feist de uma forma boa. Pró-activa, como se diz agora. Ponho as mãos no fogo, a corda no pescoço, o pé na armadilha, mas Canção Simples está boa. Já com a outra, não arrisco o mesmo. À primeira vista, sobressai o facto de ele ainda acabar as frases com verbos acabados em "ar".

Rizoma, a banda do guitarrista dos Toranja, não parece ter grande futuro.

Deste fã dedicado dos Toranja que vos escreve.